Serpenteando: Guerra Pura e o ataque massivo da TAZ

Por Letícia França, NEGALÊ.

Como num sonho, fica na memória o rastro das possibilidades. Como uma força, surge entre os bares, prédios condominiais e casas de show num dos bairros “mais boêmios de Salvador” como se esticasse os braços e empurrasse essas paredes brancas e delimitasse seu espaço. E como quem resiste, inspira e some, deixa ecoar em nós o sibilar furioso de uma proposição possível de uma criação artística libertária, heterotópica e autogerida.

“Guerra Pura” foi uma exposição artística coletiva em formato de TAZ (Zona Autônoma Temporária) que ocorreu no espaço Rua Galeria Urbana, Rio Vermelho, Salvador, entre 26 de fevereiro a 12 de março de 2023. Trouxe para o público a possibilidade de apreciar e poder conhecer as produções artísticas contemporâneas em diferentes linguagens e das mais variadas formas e formatos, de artistas independentes que surgem às margens no movimento underground.  

Artistas expositores: Filipe Dantas (PE), Vivão (BA), Raoni (PB), Gustavo QUARK (SP), @777letricia (BA), Vírus Carinhoso (BA), e Roy Constrói (BA).

Curadoria: Roca Alencar

“Guerra Pura é a verdadeira guerra, aquela que devemos nos envolver, pois propõe a produção de um espaço libertário e autogerido de criação artística. É uma proposição oposta à guerra tradicional que tem seus motivos baseados na aquisição de poder.”  Letrícia, artista plástica e visual.

Há um movimento na arte urbana – não a street art, mas a arte que provém dos corpos que correm nas ruas e pintam muros para reivindicar sua identidade e seu direito de existir, resistindo contra os movimentos que marginalizam e fetichizam da hegemonia da “arte brasileira” –  que bebe do neoexpressionismo essa fúria, travando guerras não em busca de poder, tampouco provocando a morte material de outros sujeitos, mas trazendo para o “campo de batalha” as disputas distópicas de narrativas para além das telas (digitais ou não) e muros: seja através do corpo, da ideia ou com a poética do lixo eletrônico e outras reciclagens, seja através do ruído e performance sonora ou com a reivindicação da moda e a sua aglutinação de narrativas, Guerra Pura conseguiu trazer para o mesmo espaço diferentes linguagens que entram em cena nesse campo de batalha: trazem na estética a abordagem de questões traumáticas, atravessadas pela poética da subjetividade de cada artista que trouxeram àquela tímida galeria uma potência quase anarquista.

Eu, que vim do pós-punk e do hip-hop e andei de mãos dadas com o amor e com a fúria, vi queimar dentro de mim o que eu já não sentia desde que quebrei algumas vidraças brasilienses em 2017. Vi através destes artistas, a insurgência e ocupação desses corpos e ideias nas fissuras fractais de um espaço geopolítico, uma possibilidade e revolução que tem o fim em si mesma.