Breve Contexto
Recentemente, portais de notícias¹ têm divulgado a intenção do Ministério da Educação (MEC) de apresentar um projeto de lei que visa proibir o uso de aparelhos celulares nas escolas de todo o país. Nessa proposta, existe a possibilidade de que a proibição se estenda tanto às salas de aula quanto às áreas comuns das instituições.
O principal fundamento para esse projeto, conforme os sites de notícias, é um relatório² da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), intitulado “Tecnologia na Educação: uma ferramenta a serviço de quem?”.
Em dois momentos, o relatório menciona estudos que relacionam doenças ao uso excessivo de telas:
“Um maior tempo em frente à tela foi associado a impactos adversos na saúde física e mental.” (pg 11)
“Dados de avaliações internacionais em larga escala, como os fornecidos pelo Programa de Avaliação Internacional de Estudantes (PISA), sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e o desempenho acadêmico.” (pg 8)
Infelizmente, o relatório não apresenta os dados que sustentam essas afirmações, dificultando a análise crítica sobre onde, quando e como esses dados foram obtidos. No entanto, o texto deixa claro o excesso do uso como causador do problema..
Esse relatório busca uma abrangência global, sem focar em nenhum contexto local específico, e analisa os desafios e as implicações do uso de tecnologias eletrônicas na educação. O próprio relatório destaca também as potencialidades da educação alinhada com as tecnologias digitais, apresentando exemplos de ferramentas que ajudam a incluir pessoas no sistema escolar, mas ressalta como as desigualdades sociais e econômicas limitam o acesso igualitário a esses recursos.
“… Uma definição ampliada do direito à educação poderia incluir o apoio efetivo da tecnologia para que todos os estudantes alcancem seu potencial, independentemente de contexto ou circunstâncias.” (pg 9)
Além disso, o relatório aborda as implicações éticas do armazenamento e do comércio de dados gerados pelo uso de tecnologias, especialmente em relação a crianças, e identifica os obstáculos que os governos precisam superar para garantir que todos tenham acesso adequado às novas tecnologias, sugerindo que devem ser criadas regulamentações para evitar abusos.
Introdução
A relação entre educação e tecnologia é um tema que gera discussões fervorosas, especialmente quando se trata do uso de dispositivos como celulares nas escolas. É preocupante como alguns educadores, não educadores e políticos tratam a escola e a pedagogia como algo frágil. Em vez de discutir a proibição de celulares nas instituições de ensino, devemos focar na universalização do acesso à internet e na disponibilização de tecnologia nas salas de aula. Este texto inicia uma busca sobre a importância de novas abordagens na educação, que integre novas tecnologias e promova o desenvolvimento de habilidades críticas nos alunos.
Desafios
A escola e a pedagogia deveriam ser pautadas por um pensamento de vanguarda, atraindo o mundo ao seu redor e transformando-o em perguntas e provocações. Quando leio notícias que associam educação e proibição, isso sempre me soa como um absurdo. A educação deve ser uma prática de liberdade, onde o conhecimento é construído coletivamente, permitindo que alunos e educadores explorem novas ideias, questionem normas e desenvolvam habilidades críticas.
Proibir ferramentas que têm potencial para enriquecer o aprendizado, como os celulares, ignora as oportunidades de utilização desses recursos de forma pedagógica. Em vez de enxergar as tecnologias como inimigas, deveríamos integrá-las ao processo educativo, orientando os estudantes sobre como usá-las de maneira ética e responsável. A escola deve ser um espaço de diálogo e experimentação, onde as novas tecnologias são vistas como aliadas na construção de um ambiente inclusivo e estimulante.
Ao invés de se concentrar em proibições, é fundamental fomentar uma cultura de aprendizado que valorize a curiosidade e a inovação.
Pensar a Educação
A educação não deve ser uma mera imposição de regras, mas sim uma jornada colaborativa que envolve a formação de cidadãos conscientes e críticos. As novas tecnologias devem levar os educadores a reformularem suas perguntas, possibilitando a ampliação do mundo ao caminhar junto com a inovação. A tecnologia pode ser uma aliada poderosa na promoção da curiosidade e do engajamento dos alunos, permitindo a criação de experiências educativas mais dinâmicas e interativas. Ao integrar as novas ferramentas ao cotidiano escolar, os educadores podem estimular debates, incentivar a pesquisa e promover a colaboração entre os estudantes.
Dessa forma, a pedagogia deve promover um espaço de exploração, onde as tecnologias digitais são vistas como oportunidades para expandir horizontes. Isso requer uma mudança de mentalidade, em que educadores e alunos juntos questionem o papel das ferramentas digitais na educação, desenvolvendo competências que vão além do conhecimento técnico, incluindo habilidades críticas e criativas. Assim, ao invés de se opor ao avanço tecnológico, a educação pode se adaptar e evoluir, preparando os estudantes para um futuro em que o conhecimento é constantemente reconfigurado.
Integração
Há uma grande discussão sobre o foco dos alunos, especialmente considerando que as novas tecnologias utilizam recursos personalizados para manter as pessoas conectadas. Nesse cenário, a pedagogia deve sempre observar e integrar essas novas tecnologias em seus propósitos. O desafio é: como fazer a aula ser mais atraente que o TikTok?
Para isso é fundamental criar um ambiente de aprendizagem que valorize a participação ativa dos estudantes, por meio de discussões em grupo, projetos práticos e a incorporação da tecnologia de maneira que os alunos se sintam protagonistas. Quando as aulas são projetadas para serem tão envolventes quanto às novas tecnologias, os alunos tendem a se sentir mais motivados e interessados no conteúdo.
Um exemplo disso é uma professora da área de Letras que propõe a criação de grupos para desenvolver memes sobre temas específicos. Após a criação, solicitou um relatório detalhado sobre a construção do meme, pedindo que os alunos falassem sobre cada elemento, como cores e modelos escolhidos. A professora exibiu os memes para a classe, e parte da avaliação seria baseada na quantidade de risadas geradas. Essa experiência explora a criação e a interpretação de texto de maneira inovadora. Quando um aluno observar uma imagem no futuro, terá a capacidade de analisar as intenções por trás das escolhas visuais, identificando as intencionalidade assim como ele fez na criação do meme.
Outro exemplo vem da área de Exatas, onde um professor, ao ensinar conceitos de conjuntos, leitura de gráficos, estatísticas e equações, criou uma estação meteorológica na comunidade para alertar sobre a possibilidade de chuva. Os alunos trabalham ativamente no desenvolvimento do projeto, aplicando todos os conteúdos necessários e enfrentando situações que exijam a identificação de problemas e a aplicação dos conteúdos da disciplina. Outra estratégia é o professor “quebrar” constantemente o sistema, para explorar a criatividade na resolução de problemas com intencionalidade pedagógicas específicas.
Esses exemplos ilustram como a integração de novas tecnologias e abordagens pedagógicas inovadoras pode enriquecer o aprendizado. Ao transformar a sala de aula em um espaço de experimentação e colaboração, os educadores tornam o ensino mais atraente e preparam os alunos para enfrentar desafios, equipando-os com habilidades críticas e criativas essenciais em uma sociedade em constante transformação.
Protagonista
Essas ideias partem do princípio da pergunta. A solução efetiva da pergunta não é tão interessante quanto o questionamento em si, tornando a atividade tão interessante que não importa se estou enviando mensagens pelo celular ou construindo memes pelo computador; ali, a aula é mais interessante que a rede social, mais estimulante do que os alertas dos celulares, porque ali a tecnologia se torna uma mera ferramenta para a interação humana.
Nesse contexto, a tecnologia assume seu papel essencial na escola como ferramenta a serviço de objetivos pedagógicos. Quando os alunos estão imersos em atividades que estimulam a curiosidade e o pensamento crítico, eles não apenas absorvem conteúdo, mas também desenvolvem habilidades valiosas, como criatividade, colaboração e resolução de problemas.
Ao invés de ver a tecnologia como uma distração, podemos enxergá-la como uma aliada poderosa. Quando usada de forma intencional e criativa, transforma o aprendizado em uma experiência rica, capacitando os alunos a se tornarem agentes ativos em sua própria formação. A sala de aula, portanto, pode se tornar um espaço de exploração, onde os alunos são desafiados a pensar criticamente e a utilizar as ferramentas digitais como parte de sua jornada educacional.
Proibir
Proibir o celular em sala de aula não tem a ver com pedagogia e tampouco com o ambiente escolar, afinal “A educação é um ato de amor, por isso, um ato de coragem. Não pode temer o debate. A análise da realidade. Não pode fugir à discussão criadora, sob pena de ser uma farsa” (Paulo Freire 4) A proibição do uso das tecnologias digitais parece mais um reflexo do desejo de que as coisas permaneçam como sempre foram, uma tentativa de preservar um modelo de ensino do passado. Como disse Simone André no documentário³ “Quando Penso que Já Sei”:
“Se um médico do século XIX entrar numa sala de cirurgia do século XXI, ele não entenderá quase nada. Mas, se um professor do mesmo século XIX entrar em uma sala de aula do século XXI, ele verá uma lousa, carteiras enfileiradas em direção ao quadro e um sistema de notas baseado em respostas que precisam coincidir exatamente com o que foi dito em sala de aula. No entanto, uma coisa será radicalmente diferente: a cabeça dos alunos. E aí começa o conflito.”
O verdadeiro problema não é o uso do celular, mas a dificuldade de adaptação de um sistema educacional que ainda segue práticas de séculos atrás, enquanto o mundo e a mente dos alunos mudam rapidamente. As novas gerações, expostas a uma enxurrada de informações digitais, demandam novas formas de interação e aprendizagem. Ignorar isso e tentar manter o ambiente escolar como uma bolha isolada do restante do mundo é uma postura ineficaz.
Integração da Educação e Tecnologia
Ao invés de banir o celular, devemos pensar em como integrá-lo como uma ferramenta pedagógica que potencialize o aprendizado. O desafio para o professor do século XXI não é impedir que os alunos usem tecnologia, essa é uma luta infrutífera e perdida, mas aprender a utilizá-las de maneira que enriqueça o processo educativo. Adaptar a educação às novas realidades não significa perder a essência do ensino. É um convite para transformar a sala de aula em um espaço dinâmico, onde o aprendizado seja mais significativo e conectado ao mundo.
Temos grandes desafios para a inclusão tecnológica, e um dos maiores é garantir o acesso dos alunos às tecnologias digitais. Em vez de discutir a proibição do uso de celulares nas escolas, deveríamos focar na universalização do acesso à internet para todos os estudantes. É fundamental promover a disponibilização de internet sem fio gratuita nas escolas, garantir o acesso a equipamentos adequados e estruturar salas de informática em todas as instituições. Além disso, a capacitação contínua dos professores é essencial para que possam integrar efetivamente essas tecnologias ao processo de ensinoaprendizagem.
Impactos da Exclusão Tecnológica
Essa bolha em que a escola se isola gera reflexos profundos na sociedade. Quando a escola exclui novas tecnologias, exclui a oportunidade de fomentar uma análise crítica sobre elas. Ao não ensinar os alunos a lidar com as ferramentas digitais, perde-se a chance de desenvolver habilidades essenciais para o mundo moderno, como a capacidade de identificar informações falsas geradas por IA ou entender que perfis nas redes sociais são frequentemente versões idealizadas da vida real.
Quando não aprendemos a buscar fontes confiáveis, não conseguimos discernir que o perfil de um suposto médico ensinando algo nas redes pode não ser verdadeiro. Sem essas habilidades críticas, os alunos ficam vulneráveis à desinformação e manipulação online. Por outro lado, quando a escola inclui essas tecnologias em seu cotidiano, oferece aos alunos as ferramentas necessárias para navegar por um mundo digital repleto de informações e armadilhas. Eles aprendem a questionar e analisar o que veem e ouvem. Incluir a tecnologia na educação vai além de ensinar a usar um dispositivo. Trata-se de preparar os alunos para entenderem o impacto dessas ferramentas em suas vidas e na sociedade. Ao trazer discussões sobre IA, redes sociais e manipulação de dados para a sala de aula, a escola cumpre seu papel de formar cidadãos conscientes, capazes de tomar decisões informadas em um mundo cada vez mais digitalizado e complexo.
Conclusão
Por isso, ao invés de proibir celulares, devemos integrá-los como ferramentas pedagógicas. O verdadeiro desafio para a Escola do século XXI é aprender a usar a tecnologia de maneira que enriqueça o aprendizado. Adaptar a educação às novas realidades é um convite para transformar a sala de aula em um espaço dinâmico, onde o conhecimento é constantemente reconfigurado e os alunos são protagonistas de sua formação. Afinal, a educação deve ser uma prática de liberdade, permitindo que alunos e educadores explorem novas ideias, questionem normas e desenvolvam habilidades críticas.
Notas
Bom, esta é a primeira publicação do nosso blog de pesquisa. Não é exatamente a publicação que eu planejava, mas essa notícia me surgiu e senti a necessidade de comentá-la. Estou extremamente ansioso e empolgado para refletir e discutir uma série de temas que nos atravessam e que, inevitavelmente, vão continuar aparecendo por aqui.
Quero falar sobre a falta de incentivos para os professores, por exemplo. Como pode um educador, que não tem sequer um vale-cultura digno para comprar livros, ir ao teatro ou assistir a shows, trazer essas experiências para a sala de aula? Como a educação pode florescer se as escolas carecem de estruturas adequadas e de profissionais capacitados para oferecer o apoio pedagógico necessário? analisar a realidade socioeconômica dos alunos da nossa rede pública de ensino. Além disso, precisamos discutir como a formação de professores de licenciatura é, em muitos casos, deficiente, com uma formação em pedagogia que quase não existe em muitas áreas.
Também sobre o impacto das novas tecnologias, especialmente das Inteligências Artificiais na educação. Qual o futuro que queremos construir com essas ferramentas? É tudo sobre produzir mais? Ganhar mais tempo? E, se sim, para quê? As mentiras que as IA´s produzem, que base é essa que as tem? atende a quem? Temos que pensar também nas implicações éticas que essas IAs trazem. Há os temores das super inteligências, mas também questões muito práticas sobre privacidade, manipulação de dados e o impacto que isso terá sobre a sociedade e sobre o papel do professor.
Por fim, tudo isso — a escola, os professores, a sociedade, as tecnologias — está profundamente interligado. Não podemos discutir um tema sem tocar em outro. E é exatamente essa interconexão que espero explorar neste blog: um espaço para pensar juntos, questionar, propor e sonhar com a educação.
Esta pesquisa e este texto têm como foco principal a escola pública de Ensino Fundamental II e Ensino Médio. As implicações específicas do Ensino Fundamental I não são abordadas, e o Ensino Superior também não faz parte do objeto de estudo.
Links
² https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000386147_por
³ https://www.youtube.com/watch?v=HX6P6P3x1Qg
4 Paulo Freire, Educação como prática da liberdade, 1999.