EDITAL PIBIARTES 2019-2020 Bolsistas: Jonatas Cardoso e Roberval Lacerda
Resumo
Nosso projeto propõe a criação de uma instalação sonora, a qual, através de interações múltiplas, consiste em um ambiente para formas de comunicação Transdirecional entre o visível e o invisível. A proposta foi inicialmente pensada para montagem no território físico da Barroquinha e em diálogo com a carga ancestral do centro histórico de Salvador. Contudo, ao longo do processo criativo, considerando a troca do bolsista e o isolamento social imposto pela pandemia do novo Coronavírus, o desenvolvimento concentrou-se na criação dos objetos técnicos que compõem o trabalho, bem como no projeto expositivo ideal para instalação e ambientação sonora dos mesmos. A força ancestral permaneceu na presença de um conjunto de flores secas de palmeiras, plantas de grande significado não apenas ornamental, mas simbólico, para culturas distintas. Pensando as plantas como suporte para o acoplamento entre componentes eletrônicos e bobinas, foram produzidos modelos distintos de antenas, considerando o processamento da informação eletromagnética como construção de sentido. Desse modo o projeto de instalação sonora propõe um ambiente de modulação a partir de um pensamento sistêmico, onde se armazena, processa e transmite informação.
Introdução
A plasticidade dos fenômenos relacionados aos campos eletromagnéticos é fato que tem interessado tanto cientistas quanto artistas desde a sua definição no final do século XIX. É com o interesse por explorar esteticamente suas propriedades que iniciamos, a partir de um circuito eletrônico simples baseado no amplificador de sinal de áudio LM386, a captar frequências eletromagnéticas e convertê-las em sinal sonoro.
Em nossa poética utilizamos o espaço hertziano como meio de comunicação, e as flores secas, em interação como nossos corpos, como moduladores e antenas, possibilitando assim um espaço de troca com o invisível. Com isso pretendemos estabelecer uma possível comunicação que não é a do emissor nem do receptor, que na verdade tenta se distanciar de qualquer noção de dualidade e se estabelece no meio, no choque, no entrecruzar. Por se tratar da comunicação entre o visível e o invisível, a compreendemos como uma forma de gagueira entre sintonias diferentes, sendo necessário como que engatinhar nesse meio comum de troca, onde o desbravar de um ambiente, o gaguejar e ouvir gagueiras possibilitam o desenvolvimento de uma comunicação em movimento.
Para esta ambiciosa pretensão, escolhemos navegar por ondas eletromagnéticas nas suas mais variadas fontes e formatos, tais como: as ondas naturais da terra, as diversas frequências de rádio, as ondas de equipamentos eletrônicos e os campos que nós, seres vivos, produzimos no espectro eletromagnético conhecido (e quem sabe ainda, desconhecido?). Com essa finalidade utilizamos alguns aparatos experimentais, híbridos de flores secas e circuitos eletrônicos que nos auxiliam no processo de escuta.
Após o desenvolvimento dos sistemas que possibilitaram uma interação possível e estável do público com nossa obra iniciamos um processo de testes para expor a obra de forma online, em função das restrições causadas pela pandemia do covid-19. Porém em nossas práticas laboratoriais à distância percebemos que a natureza do trabalho com sons via streaming não era satisfatória, sendo necessário um aparato maior de gravação e transmissão do som a fim de reduzir as perdas sonoras. Desse modo concluímos o trabalho com o projeto para montagem da instalação após o término do período de isolamento social. Importante ainda dizer que o projeto continua como parte do programa PIBIC 2020/2021.
Materiais e Métodos
A pesquisa trabalha diretamente sobre a questão da materialidade dos meios eletrônicos – seja a materialidade sutil das frequências eletromagnéticas ou a materialidade densa dos circuitos integrados. Estas estão também associadas à materialidade orgânica das flores secas e de nossos próprios corpos, tendo a modulação de campos eletromagnéticos como fio condutor.
Desde o início da pesquisa enfrentamos a dificuldade de distinguir em que faixa do espectro nossos aparatos estavam trabalhando. Para melhor compreender as variações de frequência ao fazermos alterações e ajustes, seja nas bobinas, seja nos componentes eletrônicos, precisávamos ter melhor controle desse dado. Para tanto um espectrômetro seria o aparelho mais indicado. Na falta deste equipamento, utilizamos um software que simula seu funcionamento através entrada de som do computador, o programa “Soundcard Scope”[1]. A fim de minimizar as interferências, ao invés de usarmos um microfone usamos inicialmente uma conexão por cabo da saída sonora do circuito até a entrada de áudio do computador.
A utilização do Soundcard Scope foi um grande ponto de virada para o projeto, pois nos deu uma visão mais precisa do que está ocorrendo com o sistema. Conseguimos perceber a partir da leitura do programa variações em frequências que não percebemos com o ouvido humano, identificamos o grande problema de interferência que campos eletromagnéticos dos equipamentos eletrônicos (computador, monitores) à nossa volta exerciam sobre o sistema, e pudemos identificar que estamos captando todo o espectro de onda audível, além de perceber variações da instalação entre um local e outro bem como a alteração de componentes, impactando na intensidade de uma determinada faixa de onda, traduzida em som.
Nessa investigação descobrimos caminhos interessantes na captura desse sinal, pois a fim de manter o sinal captado em uma faixa de onda não explorada de forma comercial pelas diversas formas de radiofrequência para comunicação humana, encontramos no silício presente em resistores uma ótima fonte de limitação de sinal. A partir destas informações foi possível concluir que o uso de resistores de diferentes valores amplifica ou reduz o sinal das ondas captadas em diferentes frequências.
Foi possível observar também que, com equipamentos eletrônicos ligados próximos as antenas, nosso espectro sofre um grande pico de sinal próximo dos 60 hertz, faixa amplificada de tal forma que abafa qualquer outra perturbação do espectro, sendo impossível ouvir as variações de outros campos. O espectrômetro nos permitiu identificar essas características, o que deu uma escalada na pesquisa.
Em nossa investigação a preocupação maior foi com o processo de captação e saída do som. Tentamos manter o máximo possível esse processo com componentes analógicos, a fim de preservar o som de forma mais natural possível – tendo em vista que o processo de ouvir as ondas já se trata de uma tradução, e como toda tradução compreende perdas e distorções. Na conversão do som analógico para o digital temos perda de sinal, pois o digital trabalha com amostragem em intervalos e o sinal natural é infinito. Sabemos que as tecnologias atuais nos permitem taxas de amostragem cada vez maiores do som analógico, que permitiria a nossa pesquisa uma captação com altas taxas de amostragem e reprodução. Porém estamos em uma pesquisa experimental interessada justamente nessa infinitude das ondas, não apenas como captação e reprodução refinada desenvolvidas para fins comerciais ou militares, mas como ponte de comunicação com inteligências não humanas também.
[1] disponível em: https://www.zeitnitz.eu/scope_en
Digital X Analógico
Essa constatação nos leva a discussões sobre, como a tecnologia da microeletrônica e computacional têm grandes limitações e no nosso caso a solução pode vir de tecnologias mais antigas, em associação a processos naturais.
Resultados
Nossa pesquisa produziu (1) uma série de circuitos eletrônicos com o intuito de promover a interatividade entre os corpos e o som captado pelos sistemas; (2) um modelo 3D, em foto e interativo de como ficará nossa instalação; e (3) a apresentação no Congresso Virtual UFBA 2020[1]. Além disso ainda estamos finalizando a escrita de (4) um artigo científico.
1) CIRCUITOS ELETRÔNICOS
1a. Desenvolvemos um sistema que ativa ou desativa os diferentes resistores ao ligar e desligar transistores (componentes eletrônicos que funcionam como chaves ou interruptores).
[1] disponivel em: https://congresso2020.ufba.br/schedule/experimentos-em-comunicacao-inter-direcional-entre-o-visivel-e-o-invisivel/ Acesso em: 12/08/2020
LM386 e Arduino
1b. O segundo sistema inclui um potenciômetro, componente eletrônico também conhecido como resistor variável onde ao girar uma chave altero a capacidade de resistência na transferência de energia. Esse sistema, apesar de alterar a frequência de forma mecânica, possibilita modular o sinal “filtrado” pelo potenciômetro com a aproximação nas antenas. Ele nos é interessante pois permite buscar frequências com sons variados o que facilita na instalação a construção de uma paisagem sonora variada sem conflitar com a poética, pois apesar desse “filtro” a modulação Transdirecional continua atuando.
LM386 e Potenciômetro
1c. O terceiro sistema surgiu de experimentos variados onde observamos que um sistema em série de capacitor e resistor, entre a bobina/antena e a amplificação, gera um efeito parecido com o Theremin, deixando o som mais agudo ou mais grave a partir da nossa aproximação da antena, ou até mesmo pelo caminhar pelo ambiente próximo. Esse modelo nos atende de forma mais plena do que o theremin tradicional, pois o som representado não é gerado por um sistema limitado e estável e sim uma captação do ambiente que sofre as alterações deste ambiente.
LM386 e Potenciômetro
2) MODELO 3D
Com nossa poética e técnica desenvolvidas, inscrevemos nosso projeto no edital Comciência[1], onde fomos homologados e estamos em processo de seleção. Este edital prevê recursos para a exposição da obra em um museu na cidade de Belo Horizonte MG. Criamos uma página no site do laboratório de pesquisa Balaio Fantasma[2] onde desenvolvi um modelo 3d de nossa exposição. Esses resultados já se inserem no projeto de continuação a pesquisa, sob o título “Pergunte às árvores” (PIBIC 2020-2021)
3) CONGRESSO VIRTUAL UFBA 2020
Apresentamos a teoria e poética do trabalho no Congresso Virtual da UFBA 2020.
Por problemas de conexão com a internet não pude participar de forma integral, onde eu entrava e saia da sala de forma constante.
4) ARTIGO CIENTÍFICO
A partir da participação da Professora Dra. Paola Barreto, orientadora do trabalho, na residência artística Territórios Sensíveis[3], elaboramos a escrita de um artigo, que será oportunamente publicado como parte do programa de residências.
[1] edital publicado em: http://programacomciencia.org.br/
[2] http://www.balaiofantasma.ihac.ufba.br/pergunte-as-palmeiras/
[3] https://www.territoriossensiveis.com/galeria-z42
Bibliografia
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. Uma Conversa, O Que é, Para Que Serve? In: DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire. DIÁLOGOS. São Paulo: Editora Escuta, 1998. Cap. 1. p. 2-16.
DOMINGUES, Ivan. Simondon, a cibernética e a mecanologia. Scientiae Studia, [S.L.], v. 13, n. 2, p. 283-306, jun. 2015. FapUNIFESP (SciELO). http://dx.doi.org/10.1590/s1678-31662015000200003. Disponível em: https://www.scielo.br/pdf/ss/v13n2/1678-3166-ss-13-02-00283.pdf. Acesso em: 12 abr. 2020.
MCLEOD, Saul. Lev Vygotsky’s Sociocultural Theory. 2018. Disponível em: https://www.simplypsychology.org/vygotsky.html. Acesso em: 14 maio 2020.
COCCIA, Emanuele. A vida das plantas: uma metafísica da mistura. Florianópolis: Cultura e Barbárie, 2016. 160 p.
NICOLESCU, Basarab. Manifesto Da Transdisciplinaridade. São Paulo: Triom, 2008. 156 p.
PINEAU, Gaston. Estratégia universitária para a transdisciplinaridade e a complexidade. 2010. Disponível em: http://www.rizoma-freireano.org/estrategia-universitaria-para-a-transdisciplinaridade-e-a-complexidade–gaston-pineau. Acesso em: 10 maio 2020.