Desilha 2018

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Fantasmagorias coloniais
 
A fantasmagoria é um conceito complexo que ganha força no contexto da expansão colonial das potências européias do século XIX. Reúne as (con)tradições da ótica e da alquimia, inspirando e sendo inspirada pela invenção de media diversos para a impressão e registro de formas que sobrevivem, como herança ou legado, mesmo após sua suposta morte ou desaparecimento. Atuando na convergência entre práticas e saberes físicos e metafísicos através da exploração de campos eletromagnéticos – de povos e territórios – suas diferentes aplicações produzem um amplo espectro, da ciência à ficção. Trata-se de um conceito chave na constituição da modernidade capitalista, essa mesma podendo ser entendida como uma grande fantasmagoria, produtora em série de apagamentos históricos e epistemicídios. Derrida define a ciência dos fantasmas – a hauntologia – como resultado da soma entre duas invenções que florescem no final do século XIX: o cinema e a psicanálise. De Munsterberg a Derrida, há bibliografia extensa e consolidada que estabelece a conexão histórica e genealógica entre psicanálise e cinema, demonstrando como cada um elaborou a relação entre pulsões e inconsciente. Para trabalhar a fantasmagoria colonial, contudo, gostaria de trazer um terceiro espectro para essa encruzilhada, considerando que é também no ocidente oitocentista que disputas em territórios do continente africano e das Américas contribuem com a constituição da noção psicanalítica do “outro”,  em oposição ao sujeito colonizador. O imaginário alimentado por registros fotográficos e fonográficos – os novos media de então – contribuem para transformar esse “outro” em acervo de museu, instituição que, não por acaso, também se consolida no período. A constituição dessa alteridade fantasmagórica, potencial ou virtual, é personificada no corpo daquele que se situa fora da universo do homem branco europeu e precisa ser controlado ou exterminado: o índio, o negro, a mulher. Se, no final do século XVIII vemos o surgimento da fantasmagoria como espetáculo na Europa, no final do século XIX testemunha-se uma explosão de suas formas nas Américas – o “novo mundo” –  definição essa que encerra em si mesma uma produção fantasmagórica, subjugando a imensa história pré-colombiana do continente que procura dominar, também através desse projeto de apagamento. O contato do homem branco europeu com o “novo mundo” marca a fantasmagoria da modernidade em suas sucessivas marchas de conquista do oeste que, em nome de uma suposta civilização, espalha rastros de ódio que produzem “danças fantasmas”, como as performadas pelos índios Sioux e captadas pelo Kinetoscópio de Edison em 1894. Nesta apresentação contudo não irei abordar a fantasmagoria ameríndia, mas apresentar, por meio das escavações realizadas em conjunto com dois artistas pesquisadores do Balaio Fantasma, a fantasmagoria negrofeminina, conceito elaborado por Rebeca Carapiá (2018) e que utilizo para definir as forças que emergem da investigação proposta por Lucas Brasil(2017) a partir dos arredores da Praça Castro Alves, território onde viriam a se estabelecer os primeiros cine-teatros da cidade.

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