Atuação do estado no combate a pandemia de covid-19 nos territórios indígenas
Com a chegada do covid-19 um dos maiores desafios dos povos indígenas foi lutar para que o estado entendesse a particularidade dos povos em relação ao combate nas aldeias e nos territórios indígenas, temos vários relatos de ações inadequadas dos órgãos oficiais onde o principal conflito foi e, é de tratar como um problema de segurança pública e não como um problema de saúde. Veja abaixo o texto de Jairan Tingui Botó onde ele evidencia essas questões trazendo uma experiência de seu povo.
BANDEIRANTES DE ONTEM, POLÍCIA DE
HOJE: UMA REFLEXÃO ACERCA DA MILITARIZAÇÃO DAS ALDEIAS COMO ESTRATÉGIA DE
COMBATE A PANDEMIA NAS COMUNIDADES INDÍGENAS
Durante esse primeiro fim de semana de Julho de 2020 circula em redes sociais um vídeo em que aparece duas lideranças políticas indígenas em um veículo da SESAI junto a uma viatura da Polícia Militar de Alagoas no território indígena do Povo Tingui Botó de Alagoas.
Sob a luz da história, é de se esperar ao ler a descrição dessa cena que os indígenas poderiam estarem sendo presos por alguma motivação, visto que cotidianamente é comum vermos notícias de atritos entre polícia e lideranças indígenas.
No entanto, o ocorrido tratava-se da locomoção de policiais militares dentro da terra indígena numa ação de suposto combate a pandemia de corona vírus sob a égide dessas mesmas lideranças. Até então nenhum problema aparente, visto que o interior do estado onde localiza-se a comunidade encontra-se segundo o Governo de Alagoas na zona vermelha do processo de reabertura social, sendo vetado aglomerações de pessoas e cabendo a Polícia Militar do estado, o monitoramento e controle das ações para cumprimento do Decreto Estadual 69722/20. Sobre esse decreto o estado não faz nenhuma alusão as situações das comunidades indígenas do estado.
Sendo assim deve se prevalecer em quaisquer circunstâncias, a autodeterminação dos povos, princípio que garante a todo povo indígena o direito de se autogovernar, realizar suas escolhas sem intervenção externa, exercendo soberanamente o direito de determinar o próprio estatuto político.
Logo, cabe a cada comunidade indígena, a partir de suas formas organizacionais decidirem suas estratégias de combate e controle a esse duro momento enfrentado pela humanidade que atinge com mais profundidade os povos indígenas no Brasil, e evidentemente cabe ao Estado proteger os indígenas a partir de suas políticas de saúde pública.
Segundo dados do ISA – Instituto Socioambiental, na data desse texto (04/07/20020) o Brasil contabilizava 7598 indígenas infectados, e 171 óbitos, sendo 82 casos e 2 óbitos na região de atuação do DSEI-AL/SE – Departamento de Saúde Indígena de Alagoas e Sergipe (órgão ligado ao Ministério da Saúde).
Por falar no DSEI AL/SE, esse órgão fundamental para a atenção básica da saúde indígena atualmente tem sido conduzido por militares sem experiência alguma com indígenas, frutos de nomeações unilaterais do atual governo neofascista brasileiro, sem consulta prévia aos Povos Indígenas dessa região.
Acerca do combate a inserção do corona vírus nas áreas indígenas de Alagoas, o que tem se observado é uma clara irresponsabilidade dos dirigentes dos órgãos indigenistas tratando a saúde indígena como um problema de segurança pública. Essa hipótese pode ser comprovada a partir da situação do referido povo indígena citado nesse texto. Com o avanço do problema sanitário para o interior do estado chegando inclusive em arruados próximo, formou-se no acesso ao território, uma barreira sanitária voluntária criada a partir de estratégia da equipe de saúde indígena da comunidade e de indígenas voluntariados. Observa-se aí a ausência de tomadas de ações por parte dos órgãos indigenistas.
Quando da tomada de decisão a partir da preocupação dos próprios indígenas, observa-se um claro avanço intervencionista da Funai, e de órgãos municipais de saúde, com uma clara intenção de se promoverem a partir do caos provocado pela pandemia, e o medo dos indígenas de se contaminarem, dada a forma de organização social desse povo, o que seria lastimável.
A pandemia de COVID 19 é claramente um problema de saúde pública e deve ser tratado como tal. Só que nessa comunidade, os órgãos de Estado tem tratado prioritariamente como um problema de segurança pública. De início observou-se conflitos internos entre os indígenas ocasionado pelo modus operandi conduzido pela Funai, limitando o abastecimento de itens básicos a comunidade como pão e gás de cozinha, obrigando os indígenas a saírem da aldeia para aquisição desses itens, sujeitando-se assim a exposição dos indígenas ao vírus fora da aldeia.
Cabe o registro, do principal órgão indigenista brasileiro concedendo a indígenas tarefas institucionais sem remuneração, que deveriam ser executadas pelos agentes do órgão. Essa terceirização de função, além de totalmente irregular juridicamente, expõe a pouca capacidade de atuação da Funai sequelada pela desestruturação e pela “foiçada no pescoço” do órgão prometido e executado pelo presidente fascista.
Posteriormente houve casos de tentativa de restrição de entrega de cestas básicas por entidades apoiadoras da causa indígena. Sucedeu-se a esses e outros inúmeros eventos parecidos, a circulação impositória de viaturas policiais no território visando dispersar aglomerações e possíveis infrações do isolamento social.
No caso ao qual se refere o início desse texto, registrou-se uma aglomeração de cinco indígenas do mesmo núcleo familiar que consumiam bebidas alcoólicas em uma residência. Observa-se a partir dessa situação problema um avanço preocupante da militarização dos territórios indígenas maquiados numa farsa de combate a pandemia, visto as especificidades deste povo que alterou práticas religiosas tradicionais históricas com intuito de conter a chegada do vírus na aldeia.
Antes de qualquer caráter crítico, em nenhuma circunstância esse texto trata-se de uma minimização do problema e do risco eminente de contaminação dos indígenas pelo COVID 19, mas uma reflexão acerca da estratégia adotada e da preocupante forma que está se tratando a pandemia nos territórios indígenas.
Observa-se que os povos indígenas tem suas formas de organizações bem particulares e devem ter sua soberania respeitada, e que a referida comunidade tem capacidade de auto-organização como proteção ao problema sanitário. Cabe ao Estado tratar a questão com a seriedade que ela merece.
Compreendemos que a crise sanitária atual entre os povos indígenas deve ser tratada como um problema de saúde pública, com prevenção a partir da conscientização, da distribuição de EPIs e de materiais de higiene pessoal, capacitação das equipes de saúde, e principalmente testagens em massa.
Um reflexo claro da contradição exposta aqui, dá-se na ausência de equipe médica na comunidade durante toda a pandemia, e a presença frequente de viaturas policiais.
A Polícia Militar brasileira (a mais violenta do mundo) historicamente tem se mostrado como aparato armado do Estado, e tem sido ferramenta de repressão a minorias sociais e étnicas, inclusive os Povos Indígenas. São comuns perseguições a lideranças, por motivos ideológicos presentes entre os membros da organização militar. Temos como exemplo, o caso ocorrido na semana posterior a vitória eleitoral do fascista eleito Presidente da República, onde escolas e postos de saúde foram queimados e no caso da aldeia ao qual se refere esse texto, tivemos uma liderança presa arbitrariamente por viés ideológico dos PMs facínoras que o abordaram. Link da notícia: https://midianinja.org/news/lideranca-indigena-do-povo-tingui-boto-de-alagoas-e-preso-arbitrariamente/
Essa presença eminente das PMs em áreas indígenas parte de um pressuposto de orientação ideológica do atual governo brasileiro, que consiste em cooptar lideranças tradicionais que geralmente não se aprofundam em compreender a política externa fora da aldeia (de como funciona a máquina opressora do Estado). Esse viés ajuda a encaminhar o projeto genocida exposto pelo Presidente brasileiro, aproveitando-se do contexto pandêmico inédito entre os indígenas atuais (outras pandemias exterminaram Povos Indígenas em outros tempos), buscando a geração de conflitos internos e posteriormente a militarização em massa desses territórios.
Num futuro, não tão longínquo este risco eminente pode caracterizar a atuação da Polícia Militar nas Terras Indígenas semelhantes a atuação em comunidades urbanas, onde a violência policial é cotidiana, atingindo sobretudo a juventude pobre, negra, indígena e periférica.
Portanto, atribuir a responsabilidade da saúde indígena as ações da corporação que historicamente tem reprimido os indígenas pode se caracterizar como um perigo eminente a autodeterminação dos Povos, e a atração de futuros problemas de organizações políticas interna dos Povos.
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